
0 milho era o alimento das classes pobres e a ausência da farinha atingia principalmente estes, por isso o articulista do DN apelava, em Agosto de 1943, às classes mais abastadas, que lhe reservassem este privilégio. «O milho é o alimento
das classes pobres, das classes populares(...) o milho, repetimos, é o alimento dos pobres. Assim aqueles que o podem dispensar, deixem-no aos pobres porque para as almas bem formadas, deve constituir amargura, provocar, impensadamente, as faltas de alimentação nos lares onde o dinheiro não abunda».
Mais tarde, no Inverno de 1945 em face de novas dificuldades as páginas do mesmo jornal abriram-se para expressar o grito plangente ecoado por todos os madeirenses em surdina. 0 Racionamento de 1 kg semanal por cabeça propiciou o seguinte comentário: «Não era bastante para as necessidades duma população que tinha afeito a sua economia doméstica ao consumo quase diário daquele produto (...), numa terra onde
o milho se podia chamar o pão-nosso de cada dia».
Nessa altura a Madeira tinha necessidade de importar anualmente 13.000 toneladas de milho.
Mas aqui, mercê da iniciativa da Comissão Regulador do Comércio de Cereais, a situação não foi tão gravosa como havia sucedido no decurso da Primeira Guerra. A política de intervencionismo económico definida por Salazar levou à criação em 1954 do grémio do milho colonial português e em 1958 surgiu a delegação madeirense da Junta de Exportação dos Cereais, que passou a coordenar todo o processo de abastecimento e fixação de preços do grão e farinha.
Foi responsável Ramon Honorato Rodrigues, que em 1962, no momento de extinção, publicou uma memória sobre os serviços prestados pela junta que presidiu. Por ai se ficou a saber das dificuldades sentidas nos anos da guerra e da acção da Junta e Governador Civil para solucionar a situação por meio do racionamento do
milho e da solicitação de carregamento à ordem do governo.
Para termos uma ideia das dificuldades basta-nos aludir à capitação estabelecida pelo racionamento e relacioná-la com a média anterior à guerra: entre 1937-39 ela foi de 123 kg/ano, enquanto de 1942-44 passou para apenas 80 kg. Mas houve anos em que a situação se agravou: por exemplo em Março e Abril de 1945 a ração semanal por cabeça era de apenas 550 gramas de milho. A partir de 1941 o racionamento foi determinado por concelho de acordo com o número de cabeças de casal, variando o quantitativo conforme os stocks disponíveis.
No último quartel do séc. XX, o milho branco escasseou nos mercados, sendo substituído pelo milho amarelo, menos apreciado, deixou definitivamente de ser a base da gastronomia madeirense, continuando até aos nossos dias a ser uma iguaria apreciada, mas cada vez mais rara à mesa.
Curiosamente, são os restaurantes que continuam a cozinhar o milho e a fritá-lo para gáudio dos comensais, residentes e turistas, sobretudo os apreciadores de espetada.