terça-feira, 6 de novembro de 2007

Mel de cana-de-açucar


A cana-de-açúcar poderá ser considerada como a cultura agrícola mais importante da História da Humanidade, pois provocou o maior fenómeno em termos de mobilidade humana, económica, comercial e ecológica. A sua afirmação como cultura agrícola é milenar e abrange vários quadrantes do planeta. É de todas as plantas domesticadas pelo Homem aquela que acarreta maiores exigências.
A sua exploração intensiva desde o século XV (15) gerou grandes exigências em termos de mão-de-obra.
A cana, tal como afirma Josué de Castro, é autofágica. A realidade histórica dos últimos cinco séculos, em que ela assumiu um estatuto de produção em larga escala, assim o confirma. O que aconteceu na Madeira nos séculos XV (15) e XVI (16).
A partir de meados do século XVI (16) o mel-de-cana teve uma importância primordial na economia açucareira sendo, por vezes, considerado como concorrente do açúcar. Por todo o século o debate esteve entre os madeirenses que pretendiam impedir a saída do mel-de-cana e o senhorio que o não permitia.
Por aqui é bastante evidente a importância sócio-económica do mel-de-cana na Madeira no decurso do século XV (15) e que prossegue até aos dias de hoje.
Ao longo dos últimos quatro séculos, o mel-de-cana tem sido imprescindível na doçaria madeirense, que se celebrizou através do mundialmente conhecido Bolo de mel-de-cana da Madeira.
O mel-de-cana começa a ser produzido em 1938, pela Fábrica do Mel, hoje conhecida por Fábrica de Mel-de-Cana do Ribeiro Sêco, desde então tem seguido a mesma "receita" na produção deste produto, havendo uma melhoria ao nível de maquinaria para uma melhor rentabilidade e qualidade.
A produção do mel-de-cana começa com o apanhar das canas-de-açucar que depois são transportadas para a fábrica (também conhecida por engenho do mel), a partir daqui seguem diversas fases, tais como; introdução das canas nos moinhos (conhecidos por engenhos) para que possa sair o líquido da cana o qual dá pelo nome de guarapa; em seguida é filtrada e cozida; depois é novamente filtrada e novamente cozida por várias horas até atingir o grau estabelecido; de seguida sofre a última filtração dando origem ao que chamamos de xarope, tendo este já a cor do mel só que está num estado muito líquido; a parte final da produção é feita na caldeira de vácuo dando origem ao mel-de-cana.
Em suma o mel-de-cana é um líquido xaroposo obtido pela evaporação em diversas fases do sumo da cana conhecido por guarapa, apresenta um aspecto líquido, viscoso e denso de cor âmbar castanha, com cheiro próprio e sabor doce. Sem corantes, nem conservantes.
E é com este rico produto que actualmente podemos aplicar em diversas situações tais como: no bolo de mel-de-cana da Madeira; no fabrico de diversos bolos; na restauração; no yogurt; adoçando o café e etc., devido ao seu valor nutricional.
Já o melaço (também conhecido por mel-do-tanque) e o caldo de cana (termo este usado no Brasil e também conhecido por melado) são resultantes também da cana-de-açúcar, tendo alguns pormenores que o diferem do mel-de-cana.
No caso do melaço é um sub-produto da fabricação do açúcar, tem um aspecto líquido, de cor escura, do qual não é possível extrair maior quantidade de sacarose cristalizada mediante os métodos de fabrico normalmente utilizados na indústria açucareira. Em relação ao caldo de cana é retirado de formas ou limpo na caldeira e apresenta igual imagem que o melaço.

João Melim
(II Conferência da Cultura Gastronómica da Madeira-05.04.02)

A Matança do Porco na Madeira


A morte do porco representa um ritual herdado dos velhos costumes pagãos nos quais eram sacrificados animais. Não em honra de deuses e para proteger as culturas agrícolas, mas por necessidade de salvaguardar para os meses seguintes, o conduto da família. Na Madeira, normalmente, a morte do porco ocorre nas vésperas da Festa (designação madeirense para o Natal), a partir do dia 8 de Dezembro, dia da Imaculada Conceição.
O ritual reúne vários elementos de uma prole, vizinhos e amigos, cada qual com uma função específica que vai desde a simples condução do animal entre o chiqueiro e a zona onde ocorrerá a morte, até ao corte da carne. Uma parte será para consumo ainda durante as festividades natalícias, mas o maior naco será cortado e salgado para conservação.
Todo o processo começa com a criação do suíno, durante alguns meses, num chiqueiro junto à habitação. As habitações uni-familiares dispersas ajudaram na criação de animais, para a subsistência da prole Hoje, só em algumas zonas rurais é possível criar o porco durante a sua fase de crescimento. O porco alimenta-se de restos de comida diária (braje ou boragem) e de uma mistura de farelo (rolão). Por norma, os vizinhos mais chegados contribuem com parte da alimentação do porco, sendo depois recompensados com uma quota parte da carne.
Quando chega o dia da matança, em Dezembro, o porco pesa cerca de duas centenas de quilos e será transportado entre o chiqueiro e o local da morte, sendo amarrado com uma corda pelo pescoço e por uma das patas dianteiras. Colocam o animal no chão, com a cabeça mais baixa que o resto do corpo, amarram a boca, seguram na cabeça e nas patas, enquanto o marchante (homem que mata o animal) mete a faca no "vão do porco" (artéria que liga ao coração), deixando o sangue jorrar para um alguidar.
Antes que o sangue coagule, deitam sal e benzem com um sinal de cruz, com uma faca, para que ninguém dê " mau olhado". Devidamente temperado com salsa e alho, o sangue é cozido e servido de seguida como dentinho (petisco) acompanhado por vinho seco ou aguardente, enquanto o porco é desamarrado e coberto por giesta ou urze para chamuscar o pêlo de ambos os lados. O recurso ao maçarico facilita hoje a tarefa. Arrefecem com panos molhados, raspam a pele com utensílios laminados e lavam a carcaça.
O porco é pendurado de cabeça para baixo para ser aberto ao meio, preso pelas patas traseiras, junto aos tendões. Com recurso a uma faca afiada e com um corte meticuloso, retiram o intestino e os restantes órgãos, como o coração, os pulmões e o fígado. Parte das carnes cortadas e das miudezas, servem para a refeição do final da tarde. Uma espetada de carne com osso, e carne na panela, são confeccionados para todos os presentes que acompanham com pão caseiro, semilhas cozidas com casca temperadas com oregãos e inhame, sem faltar o vinho da casa.
Enquanto todos confraternizam um dos elementos, o mais experiente no corte, procede à picada (corte e divisão): a febra para a carne de vinho e alhos do Natal, e a restante carne será salgada, incluindo a cabeça, as patas, as orelhas, a língua e o rabo. As tripas servem para os enchidos (bucho) e a banha é derretida para guardar e utilizar nos preparos da cozinha.